Há tempos que queríamos falar um pouco sobre cosmologias dos povos originários daqui, porém como condensar em um único texto? Resposta: IMPOSSÍVEL! Segundo dados do último Censo Demográfico realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em 2010, o Brasil registrou à época a existência de 274 línguas indígenas no país, onde vivem 817.963 indígenas de 305 diferentes etnias, cada uma com sua própria cosmogênese, mitologia, crenças e saberes.
Então, pra começar, iremos focar na visão Tupi-Guarani, e ainda assim sabendo que é apenas uma fagulha vinda de uma fogueira enorme e milenar dessa visão-povo. Pedimos licença aos ancestrais para soprar essa fagulha.
__Nhe'e porã
Antes de tudo, precisa ficar claro que a existência de todas as coisas vem do som, da vibração sonora. Tudo que é manifestado, é por meio do som e do nome que se possui. E para os Guarani, alma - ser - palavra - som é uma coisa só. O espírito-sopro-som, a vida-luz, a essência do humano se desdobra em três: ayvu (espírito), nhe'e (alma-voz dos seres) e tu (som-matéria, corpo). Entender isso é fundamental para entender a visão Guarani.
__Ara Ymã, no princípio…
No tempo primordial, só existia a escuridão e as antigas neblinas. Nada existia, nada ainda tinha nome, até que Nhamandu Ru Ete Tenonde, nosso pai primeiro, se desdobrou e se nomeou, gerando assim sua própria existência. Ele sentiu essa necessidade do seu coração, que é o Sol Primordial, Kuaracy, que é a mãe de toda emanação (kuaá "saber"; "ra" criar, cy "mãe").
__Ara Pyau, o florescer
De si mesmo desdobrou e nomeou seu banco cerimonial e seu bastão de poder e comando. Em mais uma de suas formas, se manifesta como o Colibri, que alimenta Nhamandu pelo néctar retirado de seu cocar de flores; e como Coruja, que em seu contraponto entende a divisão entre o claro e escuro e a sabedoria ancestral, dos segredos mais íntimos do ser.
Seu coração emanou em definitivo na noite primeira o fundamento de todas as palavras, Ayvu Rapyta, o amor divino infinito, Mborayu, e o canto sagrado, Mborai. Com tudo isso estabelecido, ele enfim nomeia os co-criadores da existência que está por vir, munidos de sua potência e sabedoria, os Nhe'e Ru Ete: Jakaira, Karaí, Tupã e Nhandecy.
Jakaira Ru Ete
Pai da neblina e dos ventos, da fumaça que acompanha o fogo. De si mesmo nomeou Jakaira Cy com igual poder e sabedoria, mãe de todos os seres-neblina. Juntos comandam a sabedoria divina do humano. É pela fumaça do cachimbo Petyngua que Jakaira permite o acesso aos sopros ancestrais. É a coragem em si. Responsável pela primeira era da mãe terra Nhandecy, tempo onde foram criados os primeiros seres-pássaros.
Karaí Ru Ete
Pai do fogo primordial, da espiritualidade, é o guardião da luz de Kuaracy. Também criou de si e em igualdade Karai Cy, mãe do homem-lua e da mulher-sol, ancestrais de todos nós. É pelo fogo da força de vontade que se cria e se nomeia, se movimenta, e do eterno retorno e amor infinito. Responsável pela segunda era.
Tupã Ru Ete
Pai das águas, raios e trovões, é o poder do som manifestado, da criação. É o frescor que rebate o calor extremo. Junto com sua contraparte Tupã Cy, criaram os seres-trovão, e colocaram em suas orelhas esquerdas a inteligência, e em suas orelhas direitas a sabedoria. Foi durante sua responsabilidade da terceira era que ocorreu o dilúvio primordial, formando assim a terra como conhecemos hoje.
Nhandecy
Ela é a mãe terra propriamente dita, Yvyrupa. É a existência que resulta de todos os outros, e que ao mesmo tempo dá a base para eles existirem. É a contraparte de Nhamandu Ru, a manifestação em sua excelência, literalmente NOSSA MÃE. Sua primeira forma, Yvy Tenonde, foi criada por cinco palmeiras azuis (Pindovy), uma no centro e quatro nos pontos cardeais.
A primeira, no futuro centro da Terra, Yvy mbyterã. A segunda ao leste, sendo a morada de Karaí e a mais sagrada. A terceira, na morada de Tupã, ao oeste, o caminho do guerreiro. A quarta, na morada de Nhamandu, é a origem do vento bom ao norte, Yvytu Porã, durante o tempo novo (Ara Pyau). A quinta, na origem do vento frio, Yvytu ro’y, no tempo originário (Ara Ymã) e morada de Jakaíra.
Dessas palmeiras surgiu a terra. E deste espaço surgiu os primeiros viventes, o tatu, o canário, a serpente, a cigarra, o girino, o grilo. Também nasceram as florestas e os rios, Ka'a a'e Yy.
Tendo terminado, Nhamandu foi para sua morada descansar, deixando o cuidado da criação com seus filhos e filhas, sendo ele mesmo em sua co-existência.
__E ficamos por aqui…
…pois nitidamente há muito mais pra se contar, mas aos poucos pretendemos desbravar essa cosmovisão tão rica. Que pelas graças dos Nhandedjara Kwery, nossos pais e mães divinos, possamos voltar em breve contando muito mais.
Aweté Katu Eté!
__Referências:
A Fala Sagrada - Mitos e Cantos Sagrados dos Guaranis _ Pierre Clastres
A Terra Uma Só _ Timóteo Verá Tupã Popygua
A Terra dos Mil Povos _ Kaká Werá Jecupé
Tupã Tenondé _ Kaká Werá Jecupé
Ayvu Rapyta _ León Cadogan
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